Quando o português Rui Almeida
chegou à pequena Guamaré, no interior do Rio Grande do Norte, viu mais que
apenas um novo lugar para morar. Com doze anos de experiência como treinador
profissional em terras lusitanas, ele se surpreendeu com o potencial dos
meninos da periferia nas peladas em campos de barro.
“É impressionante como realmente o
brasileiro tem muito potencial no futebol. Mas é preciso olhar para esta
realidade”, avaliou. Ele olhou, e desafiou o prefeito do município a implantar
o que hoje é um dos maiores projetos de formação inicial de futebol no Rio
Grande do Norte, envolvendo mais de 400 crianças e adolescentes. O “Livro na mão, bola no pé”
pretende promover formação cidadã através do esporte e garantir a permanência
das crianças na escola, espantando o fantasma da evasão escolar. As atividades
começaram em maio do ano passado, quando o português deixou Lisboa para
construir uma nova vida no Brasil.
A consistência do projeto e seu
grau de abrangência conquistaram o prefeito do município, Hélio Miranda, que
decidiu apostar nas ideias do treinador e implantar a ação, junto à Secretaria
Municipal de Esportes. Além dos dois campos de treinamento – um em Guamaré e
outro no distrito de Baixa do Meio – os meninos e meninas recebem fardamento,
chuteiras, meiões e todo material de treino. O ritmo dos treinamentos é puxado,
mas não falta entusiasmo. “Todos os dias temos treinos com as diversas turmas,
desde os pequenininhos aos maiores. E temos notado uma participação muito
grande deles”, comenta o idealizado Rui Almeida. Em campo, mais que apenas táticas e
estratégias de jogo. “Há todo um trabalho técnico, teórico também, para que
eles entendam o futebol de uma forma mais ampla, de uma maneira profissional.
Sem contar na questão cidadã, que é um dos nossos fortes. Não queremos formar
apenas atletas, mas cidadãos melhores”, explica a educadora física Nara Dias,
coordenadora de projetos esportivos da Secretaria de Esportes.
É ela quem acompanha o rendimento e
frequência escolar dos alunos atendidos pelo projeto. “Os resultados tem sido
bons e esperamos que isso vá melhorando ainda mais neste ano”. De acordo com Rui Almeida, a
experiência profissional na Europa lhe mostrou que a formação de base é um
segredo importante para o desenvolvimento de um atleta profissional. “Vemos
aqui crianças que já demonstram um potencial grande para o futebol, mas
precisam de apoio. Essa é uma das funções do projeto, aliado ao cuidado com o
desenvolvimento do aluno em sala de aula. Não adianta só vir jogar, tem que
estar bem com os estudos”, garante.
Cauã, de oito anos, é um dos
meninos que já fizeram do campo sua segunda casa. Faz de tudo para não faltar
aos treinos e, no gramado, faz o possível para ser um dos melhores. Na cabeça,
o sonho comum a todos que estão no projeto: ser o próximo Neymar do futebol
brasileiro num futuro que esperam não estar tão longe. No toque com a bola, o
menino já mostra intimidade e entusiasmo. A organização e tamanho do “Livro
na mão, bola no pé” tem atraído os olhares de prefeituras da região e de clubes
de futebol do interior. “Já estamos participando de pequenos torneios com
outras cidades e buscamos oferecer aos meninos uma estrutura profissional, como
ônibus confortável para transporte e até hotel. Isso mostra dignidade no trato
com as crianças”, explica Nara Dias.
SELO UNICEF
Quando decidiu apostar na ideia, o
prefeito de Guamaré, Hélio Miranda já sabia que o sucesso do projeto seria
fundamental para uma luta que está envolvendo vários setores da prefeitura: a
conquista do Selo Unicef – Município Aprovado. O selo é um reconhecimento
internacional que o município pode conquistar pelo resultado dos seus esforços
na melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes. Para isso, a
Unicef leva em consideração um diagnóstico de dados sobre o município.
Com dados concretos e participação
popular, o município tem condições de rever suas políticas e repensar
estratégias de forma a alcançar os objetivos buscados, que estão relacionados
aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. “O projeto Livro na mão, bola no pé
é uma das ações que têm sido desenvolvidas pela equipe pensando na melhoria da
qualidade de vida das crianças da nossa cidade. Assim como este projeto, várias
ações estão sendo realizadas em outras secretarias, visando esta conquista
importante que é o Selo Unicef”, comentou o prefeito.
PENSANDO GRANDE
Com o grande número de crianças
envolvidas, o projeto já começa a ser conhecido em meio à população. Para
aqueles mais próximos do futebol, trabalhar a formação de base é também pensar
no futuro do futebol profissional da cidade. O único clube profissional de
futebol, o Guamaré Esporte Clube, participou pela primeira vez da primeira
divisão do Campeonato Estadual de Futebol em 2007, mas não conseguiu se manter
na competição. Em 12º lugar, foi rebaixado para a segunda divisão, que havia
conquistado no ano anterior. “Temos um bom número de adolescentes
que tem trabalhado de forma séria e comprometida, por isso não descartamos a
possibilidade destes meninos serem uma alternativa no sonho de restabelecer o
futebol profissional de Guamaré”, conta Rui.
FUTEBOL TAMBÉM É COISA DE MENINA
No meio das centenas de meninos, um
tom rosa chama a atenção. São as meninas do time feminino do projeto “Livro na
mão, bola no pé”. Logo que começou as atividades em Guamaré, o treinador Rui
Almeida percebeu o interesse de algumas meninas em participar dos treinos.
“Desde a concepção já tínhamos imaginado esta possibilidade. O futebol não é
mais território exclusivamente masculino”, explicou. A equipe feminina é formada por
mais de vinte meninas de Guamaré que levam a sério o trabalho e mostram bons
resultados. No primeiro torneio intermunicipal disputado pela equipe, elas
conquistaram o terceiro lugar, trazendo para casa a medalha de bronze. Mais que o placar das partidas, a
organização da equipe chamou a atenção de quem estava participando do torneio.
Enquanto as demais delegações ficaram concentradas num ginásio da cidade onde
ocorreu o evento (Santa Cruz), as meninas do projeto e toda a equipe de apoio
ficaram num hotel da cidade.
“Acreditamos que através do esporte
é possível oferecer condições para que crianças e jovens possam ter um estímulo
a mais em seu processo de crescimento enquanto cidadão. Por isso levamos tão a
sério a forma com que lidamos com estes projetos”, comenta a secretária de
esportes de Guamaré, Larissa Mayara.